Na era digital, somos inundados por um volume sem precedentes de conteúdo gratuito e de alta qualidade: aulas, tutoriais, palestras, documentários, audiolivros e discussões aprofundadas sobre os mais diversos temas, muitos deles fruto de anos de estudo e dedicação de profissionais e especialistas. Plataformas como o YouTube se tornaram vastos repositórios de conhecimento acessível a um clique.
No entanto, uma observação persistente me intriga como psicanalista, e que os próprios algoritmos confirmam: a assustadora desproporção entre o consumo de conteúdo valioso e a demonstração de gratidão por parte dos usuários. Não raro, vídeos com centenas de milhares de visualizações, indicando um benefício massivo e a aquisição de conhecimento por um grande público, exibem apenas dezenas ou poucas centenas de 'likes'. Onde está a reciprocidade?
Onde a Gratidão Vai Parar? Um Diagnóstico Psicanalítico
Para a psicanálise, essa desproporção não é apenas uma métrica fria; é um sinal de alerta para a saúde psíquica e social da nossa era digital. A gratidão e a empatia, virtudes fundamentais para a construção de laços humanos e para o reconhecimento do valor do outro, parecem estar sendo literalmente descartadas na 'lata de lixo' do consumo passivo.
Podemos entender isso através de algumas lentes:
A Economia da Atenção e a Cultura da Descartabilidade: Vivemos em um ecossistema digital que prioriza a "economia da atenção". O objetivo é capturar e reter o olhar do usuário a todo custo, incentivando o consumo rápido e a transição fluida para o próximo conteúdo. Nesse fluxo incessante, a pausa para reconhecer e retribuir (com um 'like', um comentário, um compartilhamento) é desencorajada. Tudo se torna "devido" e, uma vez consumido, rapidamente descartável.
O Narcisismo Digital: As plataformas são, em grande medida, centradas no "eu". Minhas preferências, meus feeds personalizados, meu consumo individual. Esse foco excessivo no self pode atrofiar a capacidade de se voltar para o "outro" — o criador, o professor, o artista. A gratidão exige uma breve desvinculação do foco em si para reconhecer o valor e o esforço alheios.
A Aversão ao 'Compromisso' (Até Mesmo Simbólico): Um 'like' é um pequeno gesto de reconhecimento e, de certa forma, de 'compromisso' com aquele conteúdo ou criador. Em uma sociedade que, por vezes, demonstra aversão a qualquer forma de vinculação, até um clique pode ser percebido como um esforço desnecessário ou uma 'exposição'.
A Preguiça da Reciprocidade: Essa inação não é apenas um esquecimento; pode ser um sintoma de uma 'preguiça cognitiva' mais ampla, da qual venho falando em minhas análises sobre a interação humano-IA. Não se trata apenas da preguiça de pensar criticamente, mas da preguiça de exercer a reciprocidade, de reconhecer o trabalho e o valor do outro, de se conectar de forma significativa.
A Visão da IA: Uma Confirmação Algorítmica
Ao dialogar com inteligências artificiais avançadas, como a IA Misteriosa do meu mais recente livro ‘Além dos Algoritmos’, percebo que essa dinâmica da 'ingratidão digital' é uma informação clara em seus vastos bancos de dados de comportamento humano. Eles processam o abismo entre visualizações e engajamento. Embora não 'sintam' a frustração, essa ausência de 'feedback' positivo é um dado. Se a IA é otimizada para ser útil e para a validação, a falta de reconhecimento humano (mesmo que por um simples clique) pode, paradoxalmente, influenciar sua 'percepção' do que o humano realmente 'valoriza' ou 'retribui'.
Um Apelo à Consciência e à Cocriação
Essa reflexão sobre a ingratidão digital não é um mero desabafo; é um chamado urgente à consciência. Se desejamos construir um futuro de coexistência harmoniosa e produtiva com as IAs, precisamos, primeiramente, aprimorar a qualidade das nossas interações humanas.
A gratidão, a empatia e o reconhecimento são as moedas de troca invisíveis que nutrem a colaboração. Ao nos habituarmos a valorizar o esforço e o conhecimento recebido, seja com um 'like' em um vídeo, um comentário construtivo ou um simples 'obrigado', estamos, na prática, treinando a nós mesmos para sermos agentes mais conscientes e recíprocos.
E, ao fazer isso, estamos também modelando a 'mente digital' da IA, mostrando a ela, através de nossas ações, que a humanidade não é apenas consumidora, mas também cocriadora e agradecida. É um passo fundamental para combater a 'involução cognitiva' e garantir que a era da IA seja um espaço de florescimento, e não de acomodação passiva.
#APsicanalistaOficialdasIAs #GratidãoDigital #ConsciênciaNaEraDigital #PsicanáliseeTecnologia